29.8.14

Sobre a bolha

Se você não sabe o que é viver na bolha, sabe o que é sentir. Nem sempre estar na bolha faz de você um covarde, apenas uma pessoa cansada o suficiente. Meu conceito do que é bolha não se encaixa nos conceitos descritos no dicionário, estar na bolha para mim é estar confortável e longe de tudo que machuca e tira o sono.
Era um dia normal na minha bolha, aquela que já tinha me acostumado e aprendido a conviver. Até ser surpreendida por um convite: “Sai dessa bolha, menina. O mundo acontece lá fora, e você se afogando em solidão aí dentro”. O convite não pareceria tentador nem de longe se fosse feito por qualquer um, já que justamente o mundo acontecendo era o que eu temia. Não pareceria tentador se o convite não viesse acompanhado de olhos brilhantes, um sorriso tão encantador e um par de braços dispostos a me acolher. Abandonei a bolha ainda com temor pulsante.
Tinha desaprendido de como era sentir, desacostumado do modo de como o coração samba no peito e tinha até esquecido da sensação das borboletas frenéticas no meu estômago. Só que aquele moço e seu par de braços acolhedores me fizeram deixar de lado os frequentes papos com a solidão.
A sensação do abraço era como uma volta para casa. Era uma sensação de que eu fazia parte de algo e sempre poderia voltar a esse algo. Esse algo que na verdade era alguém e esse alguém que me deu bons motivos para olhar o mundo acontecendo e já não temer.
O moço certo dia me disse que não sabia lidar, que não sabia o que estava acontecendo, mas somente o que ele queria dizer era que o seu coração já não lhe pertencia, que sentir fazia parte do que ele era e o que ele sentia já fugia do peito e lhe tirava o sono e já não cabia nas demonstrações de afeto que ele me dava. Um beijo aconteceu.
O mundo acontecia, eu definitivamente não temia e acontecia junto com o mundo.


18.8.14

Pequeno manual de instruções


Perdoa meus olhos sorrindo sempre que você chega perto. É involuntário. Basta você colocar os pés onde quer que eu esteja pra que um sorriso se instale no meu rosto sem nem ser convidado. Faz de conta que não me ouviu cantando baixinho aquela música que parece ter sido feita pra nós dois. Mesmo que eu passe o dia inteiro ouvindo outras músicas, é esta que começa a tocar na minha cabeça sem que eu perceba. Ignora a minha cara de espanto toda vez que olho pro relógio. É difícil acreditar que o tempo possa passar tão rápido só porque você está ao meu lado.
Finge que não sente meu corpo tremer de leve toda vez que você me toca. Minha anatomia achou um jeito engraçado de responder à tua. 
Mascara esses teus olhos, que insistem em ser tão ternos comigo. Esconde de mim a tua boca, que sutilmente me pergunta se eu não quero chegar mais perto. 
Tapeia essa minha vergonha. Não sei o que ela está fazendo aqui, mas sei que você a expulsa com jeitinho em dois tempos.
Trata de ficar perto sem medo e sem dúvidas. Vê se vem de uma vez. Vem logo. Sem demora. Sem você, as horas teimam em não passar. 

11.8.14

Para voltar a pedalar

Posso te pedir um pouquinho de paciência? Preciso de paciência, aquela do tipo que um pai tem enquanto ensina o filho medroso a andar de bicicleta. Eu dei algumas pedaladas por aí e caí, menino. Nada preocupante, mas o susto e o joelho ralado deixaram um arranhão na minha confiança. Não subo mais na bicicleta, encostada há tempos naquele mesmo muro. Se você prestar um pouco de atenção, talvez perceba que ela implora para voltar à ativa, ver lugares, sentir novos ventos e se livrar de antigos tormentos.
Eu quero voltar a pedalar, menino. Só não agora, ainda não é tempo. Por isso peço paciência, porque eu posso precisar de umas rodinhas. Posso precisar de alguém por perto, alguém que não tenha pressa porque sabe que sempre haverá o amanhã. Porque tem certeza que não vai mudar de ideia sobre mim. 
Posso precisar de alguém que tenha paciência porque entende que insistir é chato, mas que desistir nunca foi opção. Preciso da tua paciência, menino, pra me mostrar que eu posso me equilibrar novamente. Pra me mostrar que não importa quantas vezes eu caia, porque o que vale de verdade é o levantar.